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Foto do escritorCotovia

como ser sábio ou... como o problema não são as toupeiras mas as cegueiras...

O evento deste post, que envolve as toupeiras, teve lugar esta semana quando estive numa superfície comercial que muito aprecio, não só pelos produtos, mas também porque mantiveram a zona verde e os pinheiros junto ao estacionamento e edifício, e depois das obras de remodelação o espaço interior ficou luminoso e cheio de luz natural. Ora então, foi no relvado onde avistei, ou achei, os montes de terra característicos das nossas amigas toupeiras... recuei até ao tempo da minha infância na quinta e percebi que, na coleção de memórias desde 1968, não consta o registo do visionamento de nenhuma toupeira, apenas os montes. Montes esses que exasperavam o Sr. J. e sua esposa a Sra. D. para quem esses achamentos, avistamentos ou visionamentos eram um autêntico terror.

Na verdade nunca percebi bem o que se passava senão que, inúmeras vezes, sobretudo na minha vida (que é mais fácil de aferir, não que desvalorize as vossas vidas, muito pelo contrário), os problemas e contrariedades se assemelham a toupeiras: parece estar tudo bem, obrigada, e de repente surge um buraco vindo sabe-se lá de onde, mas sempre com o supremo objetivo de desorientar a minha existência e perturbar o ram-ram do dia-a-dia, até porque como afirmou o Sr. carteiro -também esta semana- "Se há um engano, não quer dizer que haja segundo, mas se há segundo há terceiro de certeza, quem sabe um engano para sempre!" (excelente observação relativa ao extravio de encomendas que, quanto a mim, quando extensível a outras áreas de enganos poupa tempo e aborrecimentos).


E é exatamente isso que sucede com os problemas, vem em trios ou quartetos, por vezes uma orquestra completa, cada um mais desafinado e estridente que o outro e, para mais, brotam literalmente do nada e na maior parte das vezes nem se percebe que raio os gerou e por isso a dificuldade na tarefa de os solucionar torna-se dantesca, etapa em que, por fim, me solidarizo com o Sr. J e a Sra. D. ficando eu mesma em estado de terror absoluto, por causa dos problemas, não das toupeiras, claro, e porque esta imprevisibilidade do surgimento espácio-temporal dos buracos é assustadora, e tal como a toupeira, nestas ocasiões fico um bocado às escuras e meio cega para a causa, ou suponho causas, de tantas aflições.


Ora acontece que, ao contrário da vox populi, a toupeira não é nada cega. Sabe, ao contrário do que seria de supor pela observação da malha desordenada de buracos, perfeitamente o que faz e para que o faz, sendo que a "plantação" dos seus buracos nada tem de aleatório, sendo apenas a consequência da sua atarefada, e eficiente, gestão de tuneis destinados à apanha da minhoca. Bem, parece estar também relacionado com a procura por parte do Sr. Toupeira da Sra. Toupeira por altura dos meses de Fevereiro a Maio, quando o Sr. Toupeira, movido por uma veia exploratória ausente nos outros meses do ano, constrói "túneis em áreas desconhecidas" a fim de encontrar a Sra. Toupeira para um "amor à primeira vista", suponho de sucesso ao invés dos desaires do seu congénere televisivo.


É, portanto, um bicharoco muito esperto, até bastante sábio e talvez por isso tenha sido elevada à condição de bicho sapiente e escolhida para fazer companhia ao rapaz, ao cavalo e à raposa (The Boy, The Mole, The Fox and The Horse) na história de Charlie Mackesy.


Nesta história, destinada aos mais jovens, mas quanto a mim adequada a todas as idades (isto porque a "cegueira" é transversal e não conhece limites geográficos, etários, de género ou outros sendo mais universal do que a carta dos direitos humanos, vulgo, Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a desagradável constatação de que, ao contrário da Declaração, esta "cegueira" é muito anterior a 1948) as ilustrações e os personagens fazem-nos pensar muito a sério através das mensagens do seu autor, onde reequaciona as suas prioridades, a importância das coisas, a vida, as amizades e também os problemas.


Assim, Charlie Mackesy, tal como outros autores, concluí que muitas das vezes a raiz dos problemas está em escutarmos mais o desafinar dos nossos medos e menos a ordem dos nossos sonhos, a diferença está em que, desta vez dá voz, insuspeitamente, a uma toupeira, caracterizada como sendo um pouco gulosa por bolos mas bastante razoável e sábia pois mostra vontade de revolucionar o mundo das toupeiras, e quem sabe revolucionar o nosso mundo, com as suas apreciações e reflexões, coisa que nem nos seus devaneios mais elaborados o Sr. J. ou a Sra. D. imaginaram!



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